Eu nunca soube muito bem quem eu era. Nunca fui nada palpável, nada além de um amontoado de coisas descontínuas e aleatórias entre si. As pessoas costumam ser alguma coisa. Conheci um arquiteto, certa vez e há vários comerciantes a cada esquina. As pessoas parecem saber o que são, mas eu eu nunca soube quem era.
Mesmo assim, havia uma eu. Ela gostava de música, mas nunca aprendeu a tocar. Dançava em cima de um palco, mas não teve noção de que aquilo era uma forma de mostrar seus fragmentos. Fazia uns rabiscos, mas nunca aprendeu a por lá se expressar. Certo dia, a pequena eu, que nunca soube quem era, passou a despejar no papel palavras cheias de uma coisa, ela não sabia o que — era ela, de uma maneira que nunca tinha cogitado ser.
Eu nunca soube quem eu era, porque não sabia o que era “ser”. Algo além do status e muito adiante das coisas que fazem com que o dinheiro chegue às suas mãos. “Ser” é estar, ocupar o agora. Formar poesias, sentir poemas até nas dores.
“Ser” é ação e reação. Beleza das coisas inanimadas, assombros daquilo que se move. Quem é deixa marcas.
Eu nunca soube quem eu era, mas eu sempre fui. Sou a pessoa que gosta das pessoas. Sou aquela que quer viver das histórias, de quem os outros são. Sempre que escrevo, sou algo. E meu algo muda, dependendo do dia.
Eu escrevo. Sou artista. Ninguém me disse que isso era ser alguém, mas eu aprendi
( sendo ).
P.S. gostar da vida ( que é arte ) é a única coisa que garanto não deixar de ser amanhã. E você, que leu esse texto até aqui, também não devia.